*Vivian liga a camera e senta na cadeira bem na frente* Eu vou começar a gravar tudo agora. Eu não sei quando começarei a esquecer as coisas. Os resultados dos meus exames saíram, eu tenho uma doença chamada Esclerose Múltipla. Que é... *ela pega um papel do lado e lê daquela forma bem robozinho mesmo* "uma doença inflamatória na qual se verifica a degeneração das bainhas de mielina que envolvem os axónios do cérebro e da espinal medula, o que leva a que ocorra desmielinização e cicatrização, manifestando-se também através de um alargado quadro de sinais e sintomas." *ela respira fundo e olha pra cima por alguns segundos pra não começar a chorar. depois disso, ela abaixa e volta a ler* "O indivíduo com EM pode experimentar praticamente qualquer sinal ou sintoma neurológico, incluindo alterações sensoriais como a perda de sensibilidade táctil ou formigueiro, parestesia, fadiga muscular, clónus, espamos ou dificuldades locomotoras; *aos poucos, foram caindo algumas lágrimas, mas ela não parou de ler* dificuldades na coordenação e de equilíbrio; dificuldades na fala ou na deglutição; problemas oculares; fadiga, dor aguda ou crónica e dificuldades na bexiga e nos movimentos intestinais. São também comuns vários graus de degeneração da capacidade cognitiva, bem como sintomas de depressão nervosa e humor instável, alternando entre episódios de choro e de alegria eufórica. São também característicos da EM, embora não exclusivos, fenómeno de Uhthoff, um agravamento dos sintomas em função da exposição a temperaturas superiores ao normal, e o sinal de Lhermitte, uma sensação de corrente eléctrica que percorre a espinha ao dobrar o pescoço." *o vídeo corta e depois volta pra Vivian com os olhos vermelhos de tanto chorar* Eu ainda não sei como a doença vai se desenvolver, ou quando vai se desenvolver. Eu só... não quero esperar ela aparecer e descobri que eu não vivi nada. Que eu não conheci as coisas que queria conhecer, que não fiz nada emocionante, que não ajudei ninguém. Eu decidi que.. eu vou largar a escola. Eu preciso me divertir, sabe? *vivian dá aquele sorriso que em nada é sincero* vou passar um tempo viajando, depois quero ficar seis meses em cada lugar, ajudando, começando pelo Afeganistão, Irã, Iraque, Nigéria, Libia, Egito, Sudão.. Depois.. voltar pra América Latina. De Cuba até... voltar pro Uruguai, pra poder terminar a minha vida ali, onde ela começou. *os olhos dela estavam cheios de lágrimas e mesmo que ela não tivesse olhando pra ninguém, ela evitava contato visual com a câmera* sabe... é difícil. *ela faz uma pausa longa, se ajeita na cadeira mais pelo desconforto da situação do que da posição mesmo* eu não to sabendo lidar com nada disso... e eu... me afastei das pessoas. eu só tenho Neil. Eu to sem coragem de falar com os meus irmãos, com os meus pais... *ela abaixou a cabeça e começou a chorar. dessa vez o vídeo não corta. ela chora por algum tempo em silêncio, depois ela enxuga as lagrimas devagarzinho com as costas das mãos* eu me sinto covarde.. e impotente, mas... eu não quero enfrentar isso agora. e eu não quero prender ninguém a essa desgraça. quando neil saiu pra comprar um café, eu fui na ala do hospital na qual as pessoas estavam ali pra fazer tratamento da EM e... foi simplesmente horrível. eu fiquei parada ali *lagrimas escorrendo loucamente* olhando o espelho do meu futuro. eu não aguentei ficar muito tempo.. eu fui no banheiro e ali encontrei uma mulher chorando muito. ela me disse que *nesse momento vivian já não conseguia controlar nada o choro* seu marido tinha desenvolvido a doença e... ela já não tinha mais o homem com quem ela casou. e que o mais incrivel era que, na maioria das vezes, ele esquecia e quem acabava enterrada num sofrimento sem fim era ela. e foi ai que eu me dei conta de que talvez... eu não queira esse futuro. não queria ser esse fardo pra ninguém. e eu me sinto egoísta por não conseguir afastar Neil. Porque.. eu to sofrendo tanto. *ela chorava de soluçar* eu sinto falta dos meus irmãos... eu sinto falta dos meus pais... e eu sinto falta do meu melhor amigo, do meu ex namorado *ela chorava daquele jeito que quase faltava o ar. ela tinha um buraco enorme dentro dela que ela não sabia o que fazer com ele.. ele só doía e aumentava cada vez mais. ela se sentia sozinha e ela sabia que deveria ficar sozinha pra não levar ninguém junto* eu não sei o que fazer...